A vida é uma peça de teatro. Não querendo contradizer o Mestre, atrevo-me a corrigi-lo quando digo que a vida não é um mero palco. O palco é só o cenário. A vida contém não só a paisagem, não só o local onde ela própria se desenrola mas também os elementos, as almas que dela fazem parte para constituir o todo, em busca da essência.
De um lado os actores. Participam activamente. Dizem as suas falas, assumem as posições, interagem entre si e com o cenário. São a parte mais visível do grande todo. E são a parte mais visível da ilusão. Tentam desesperadamente convencer-se a si mesmos, ao público e, prestando contas, ao encenador que conseguem realmente interpretar a realidade. Não são mais do que as sombras das cavernas, pensando que são reais. O actor feliz e o mais competente é aquele que nunca teve a oportunidade de ver a sua actuação de fora ou de se aperceber de que não é a realidade. Porque aí passará a ser público.
Do outro, aqueles que só conseguem olhar a vida de fora. O público, meros espectadores de um espectáculo a decorrer. Sentem tanto ou mais ainda que os actores que interpretam os seus papéis. Incorrem no erro de pensar que tudo é feito para si, ainda que nada seja feito à sua medida ou à sua imagem. Sabem que aquelas personagens, aqueles seres que não existem, não são mais do que uma ilusão mas invejam a ilusão; gostariam de, mais do que identificar-se com ele, fazer realmente parte do espectáculo, ainda que saibam que não é real. Deixar de assistir e passar a fazer. Alguns cometem a loucura de tentar interferir com o espectáculo: se um espectador gritar a meio de uma peça de teatro, os actores também ouvem, não é verdade? Não é que os espectadores tenham menos importância. Mas a partir do momento em que são espectadores e somente espectadores, não podem ser mais do que isso. Aqueles que saem das cadeiras do teatro para tentarem, também eles, provar aquilo que os actores experimentam, estão condenados à loucura. Nunca poderão experimentar a realidade depois de a verem de fora. Quando muito, estão condenados a tornarem-se actores e, porque nem sequer os actores são a realidade, não serão mais do que meros fingidores.
Existem ainda os encenadores. Esses conduzem, lideram, dirigem os actores. Líderes natos, são ainda mais pretensiosos, ainda mais arrogantes, controladores, manipuladores de emoções que não existem , conduzindo almas de personagens irreais, ilusórias e fugidias. Não estão fora, não estão dentro nem tampouco acima. Dirigem uma vontade que não é a sua, uma realidade incoerente mas que julgam compreender e manobrar.
Os assistentes cuidam dos detalhes. São verdadeiros artistas aqueles que constroem cenários e proporcionam a luz mais adequada. São o ambiente. São a música de fundo, o mais sublime e o mais etéreo. Os responsáveis pelo mais suportável que a vida tem: a verdadeira arte. Perdoem-me a forma aparentemente reduzida que tenho para descrever os assistentes. Não pensem que lhes dou pouca importância. Antes pelo contrário: a importância que lhes dou é demasiado grande para ser descrita em palavras.
E sentado(a) a uma secretária, uma mesa real ou inexistente, o(a) escritor(a) molha a pena no tinteiro, dia após dia, noite após noite e desenrola nas folhas enrugadas pelo tempo o teatro de máscaras que é o universo. Não sei o que será mais desconfortável, se considerar o(a) autor(a) indiferente e despreocupado(a), como qualquer artista genial que escreve uma obra de arte que sabe que vai ser incompreendida. Ou se, por outro lado, esse(a) autor(a) é consciente e, por isso, cruelmente manipulador(a). Talvez não estejamos destinados a saber…
E foi esta a maneira que eu encontrei para descrever as diferentes perspectivas que (até agora) encontrei nas pessoas que (até agora) conheci da sua maneira de ver a vida. Perdoem-me a arrogância das palavras.
1 comentário:
Meu Deus, que brilhante...a sério miuda, tu escreves tão bem que até arrepia...deixas-me colada ao monitor...Espectacular! Se tu não escreveres livros juro que te bato até desmaiares! :p***
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