Sabem aquele novo anúncio de uma conhecida marca de bebidas calóricas (capitalista) que nos pergunta o que diríamos a uma pessoa que acaba de nascer? Tem graça que hoje tive a hipótese de me questionar sobre isso mesmo: tenho mais um primo, acabadinho de nascer…
Confesso que cada vez que vejo o anúncio solto uma pequena gargalhada irónica porque eu sou uma pessoa irónica e com um sentido de humor muito negro em relação à vida e ao nosso lugar no mundo. Assim, penso sempre que a primeira coisa que dizia era: volta por onde saíste, meu pequerrucho, porque este mundo é deveras marado…
Pegando pelo lado mais filosófico da coisa, e importando conceitos da religião cristã, todos somos pecadores a partir do primeiro segundo a que chegamos a este mundo. Herdamos os pecados de todos os que nasceram antes de nós e, realmente, isso não está assim tão longe da verdade. Como diria Napoleão, “Soldados, do alto desta pirâmide, 40 séculos vos contemplam!” A História está toda atrás de nós: a História do mundo, da nossa família; dos erros passados, dos feitos já alcançados. E a História pesa como o caraças!
Voltando à filosofia, a vida não é mais do que um sítio ou uma realidade para a qual fomos atirados, provavelmente sem termos pedido para que isso acontecesse, e agora que cá estamos temos que lidar com demasiadas situações para as quais não nos sentimos emocionalmente preparados. E a única saída para a vida, porque é a saída inevitável ao fim deste túnel (por mais macabro que possa parecer) e porque, como costuma dizer o povo “é para lá que todos caminhamos”, é a morte. Pode não ser o fim, não o sabemos; pode ser a passagem para outro mundo, outra existência, outro plano de realidade ou o eterno retorno a esta Terra e a este mundo para um aperfeiçoamento constante e quiçá eterno. E tudo isto nos faz imensa confusão!
Há também o lado sociológico. Nós, humanos, organizamos a nossa vida em torno de outros humanos e, numa visão mais alargada, em torno de sociedades e civilizações que são construídas à nossa imagem e que por sua vez acabam por nos moldar à imagem veiculada por essa mesma sociedade. E ainda que essas organizações humanas tenham os seus lados bons, como a felicidade que encontramos quando estamos com amigos, o sentimento de identificação a um grupo alargado de pessoas e o consequente sentimento de solidariedade e comunhão; ou os jantares de família no Natal ou quando nos apaixonamos ou temos um filho com outra pessoa. Mas a nossa socialização também traz coisas horríveis. Porque nenhum de nós pode viver sozinho, temos inevitavelmente que nos sujeitar e que nos ajustar à vida com outros. Ao criar laços com os que nos rodeiam, aprendemos a confiar mas também que devemos ser desconfiados. Aprendemos a partilhar momentos, situações e sentimentos para, não tão poucas vezes quanto isso, nos desiludirmos e pensarmos que nunca mais vamos partilhar nada, seja com quem for. E em tudo isso, procuramos sempre a virtude do meio-termo, tudo com conta, peso e medida mas sem nunca descurarmos os benefícios de alguns extremos. Como o prazer que nos dá a entrega total a outros ou às nossas paixões mais básicas; ou o sabor agridoce que nos proporciona o rancor.
E por fim, o lado biológico. Podemos ver os humanos como nada mais nada menos que um composto de células e moléculas, átomos, cabelos, ossos… um dos milhares de espécies de animais que habitam um mundo naturalmente desprovido de filosofia e razão mas nem por isso desprovido de ordem, ainda que imperceptível aos humanos. Ninguém sabe os mistérios da natureza, ainda que tenhamos chegado a descodificar alguns com a ciência, a lógica, a física, a química, a biologia, a meteorologia, etc.
E por falar em meteorologia, quem deste mundo não adora um dia de sol? Ou o cheiro da relva logo depois de ter chovido? Olhar para o céu e não ver nem uma única nuvem ou olhar e ver um arco-íris depois de estar encharcado até aos ossos porque se esqueceu do chapéu-de-chuva, essa magnífica invenção, em casa? Quem não gosta de estar sentado a uma esplanada, a ver o mar, com um bom livro e os headphones nos ouvidos; ou a conversar com os amigos, enquanto contemplamos os séculos de aperfeiçoamento científico que nos permitem, aos mesmo tempo, apreciar um café acabadinho de tirar e destruir a camada do ozono?
Sim, o mundo é marado e enquanto os humanos fizerem parte dele, desistam de o tentar compreender. Mas às vezes nasce um bebé. E há sempre dias de chuva.
1 comentário:
D I V I N A L !!! Acho que sou a tua fã nº1, a sério... que delícia. Não querendo ser repetitiva, pra quando o livro?...
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