quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Lions for Lambs



"Nowhere else have I seen such lions led by such lambs." um general alemão durante a segunda guerra mundial, comparando a coragem dos soldados britânicos com a "pose" dos seus generais.

Aproveitando o enorme privilégio que me foi concedido com as regalias de trabalhar num cinema (que incluem o consumo exagerado e repetitivo de pipocas e os chamados “bilhetes à borla”), fui ver um filme sobre o qual tinha humildes expectativas. “Lions for Lambs”, o mais recente filme realizado e também protagonizado por Robert Redford, não é o banalizado formato de thriller político que parece ser. “Lions for Lambs” é, na verdade, um dos melhores retratos desse estranho e poderoso país chamado Estados Unidos da América e uma representação perfeita, pela mão das suas variadas personagens, dos contraditórios pontos de vista e tomadas de posição da camada mais esclarecida da sociedade americana. Escrito, se no permitem dizer, de forma genial pelo argumentista Matthew Michael Carnahan, as personagens tomam a dianteira neste filme. É através delas, dos diálogos e dos constantes confrontos, que o filme se constrói.

De um lado encontramos o senador do partido Republicano, Jasper Irving (Tom Cruise), jovem, promissor e ambicioso, a encarnação perfeita da ideologia actual do Partido: os erros do passado estão no passado. Ou dito de outra maneira, “deixem de nos chatear com aquilo que nós fizemos mal”. A experiente jornalista Julianne Roth (Meryl Streep), encarrega-se de uma entrevista exclusiva ao senador e apresenta-nos uma reminiscência dos tempos do verdadeiro jornalismo de intervenção, presa, no entanto, a uma cadeia de televisão que a força a promover a ideologia de um governo com o qual não concorda. Robert Redford interpreta um dedicado professor universitário, Stephen Malley, que enfrenta o problema de um dos seus alunos se ter desmotivado pela cadeira que ensina. O que é perfeitamente compreensível, tendo em conta que a cadeira é Ciência Política. O jovem estudante Todd Hayes (Andrew Garfield) afirma que a política é uma arte perdida e que hoje em dia apenas serve para ensinar aos políticos a melhor maneira de ganhar eleições. E para provar que o seu aluno está errado, o professor mostra-lhe o exemplo de dois antigos alunos seus, Ernie e Arian, (Michael Peña e Derek Luke) que se alistaram no Exército para poderem participar na invasão ao Iraque. Apesar de discordar dos seus meios, o professor tenta mostrar-nos que, de todos os jovens desmotivados com o actual estado da sociedade americana, os seus antigos alunos são dos poucos que decidiram agir em vez de procurar curar a sua desilusão tornando-se mais uma parte inútil da sociedade que desprezam.

Mas, como em tudo na vida nada é uma questão de “preto no branco”, nenhuma das personagens se sobrepõe, nenhuma das opiniões ganha o confronto e principalmente, nenhuma delas se encontra totalmente certa ou errada. Quando confrontada com a questão da guerra no Iraque pelo Senador, Roth acaba por admitir que os media não são tão inocentes como gostam de se fazer passar e que era a sua missão ter percebido de imediato que estavam a ser enganados pela actual administração Bush, assim como tinham o dever de transmitir a verdadeira informação ao povo americano. Nenhuma palavra do “discurso” do Senador nos convence que a administração está verdadeiramente consciente dos erros passados e que tenciona aprender com eles. O professor não nos consegue apresentar uma alternativa válida e útil ao actual estado das coisas na política americana. E o aluno compreende que não se pode mudar o mundo de braços cruzados. Como pessoas esclarecidas que são, todas as personagens concordam que é preciso fazer alguma coisa, ainda que todos discordem nos meios para atingir os fins. E, como alguém que eu conheço diria, “That’s the beauty of America!” Citando essa mesma pessoa, “apenas num país como os Estados Unidos se consegue fazer um filme como “Lions For Lambs” com tantas opiniões deliberada e conscientemente contraditórias”. E a melhor qualidade deste filme talvez seja, na minha opinião, essa tentativa de mostrar que o mundo não se divide em “Sim” ou “Não”, em “Verdade” ou “Mentira” e muito menos na básica mentalidade de “Us vs. Them”, que é, talvez, a mentalidade que melhor define e norteia a política e provavelmente a sociedade americana. Nisso o filme é, na medida em que é possível sê-lo, subtilmente incisivo. Talvez seja também ele mesmo um exemplo perfeito das inúmeras, deliberadas e intrínsecas contradições que a América encerra em si mesma.

Ainda assim, a opinião com que eu saí da sala de cinema foi a de que os Estados Unidos da América são o maior erro ideológico dos últimos tempos. Tudo, ou quase tudo aquilo em que acreditam está ou esteve, a certa altura, errado. E, com a maior das arrogâncias, continuam a preferir iludir-se a si próprios, achando que na verdade iludem os outros à sua volta, e continuam a acreditar que estão sempre, em todos os instantes e em todas as situações, em posse da verdade e da razão. Não admitem nunca os seus erros passados e não prevêem erros futuros. Têm uma inabalável crença nas suas posses, no seu valor e nas suas qualidades, que os leva a ignorar os possíveis e por vezes prováveis resultados negativos de uma acção. Com todas as suas contradições, os Estados Unidos fizeram a proeza de construir um Império que se sustenta em areias movediças, ou se quisermos, em ar. A ideologia em que se baseiam não existe nem nunca existiu naquele pedaço de terra, são uma nação criada e crescida na guerra e no ódio. E a aparente incarnação de adolescente revoltado perdeu completamente o seu sentido ou nunca sequer existiu. A guerra da independência não foi feita por nativos (esses foram chacinados ou inutilizados, empurrados para reservas e casinos). Os vencedores da guerra civil levaram décadas a pôr em prática aquilo a se propuseram, nomeadamente no campo dos direitos humanos. E enquanto muitos pensam que são as contradições que fazem uma sociedade verdadeiramente democrática, é minha opinião que, no caso dos Estados Unidos, elas apenas servem para iludir o seu próprio povo para uma democracia, uma liberdade e uma tolerância que não existe, nunca existiu nem nunca há-de existir.

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