sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Cerveja e (a)normalidade

Porque, como todos nós sabemos, a causa do orgulho hetero precisa ser defendida a todo o custo e contra qualquer ataque ou descriminação, a cerveja Tagus propôs-se a fazer isso mesmo ao criar no seu site www.orgulhohetero.com uma comunidade de “encontros” online exclusiva para pessoas heterossexuais. Escusado será dizer que, imediatamente, foi enviada uma queixa ao ICAP (Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade) a contestar esta situação, apoiada por algumas associações de defesa dos direitos homossexuais e pelo Bloco de Esquerda. A autora desta queixa, Sara Martinho, defensora dos direitos LGBT, considera que “a heterossexualidade, que sendo dominante e aceite por todos à partida, não discriminada, não precisa de causa ou manifesto”. No entanto, enquanto se espera pela decisão do ICAP, os cartazes e a publicidade já circulam pelas ruas de Lisboa, o site já se encontra em funcionamento e a aceitar inscrições.

Importa perguntar se as pessoas heterossexuais não têm direito a ser orgulhosas daquilo que são. Pois está claro que têm, digo eu. E não têm direito a mostrá-lo? Pois também o terão. Mas, no seguimento do comentário de Sara Martinho, com a qual concordo plenamente, é irresistível perguntar: será que já não o mostram o suficiente? Será que é uma questão de sobrevivência, aceitação, de luta pelos seus direitos e de luta pela igualdade uma demonstração do orgulho hetero como é a demonstração do orgulho gay? Porque, todos os dias, oiço frases que, podendo ser consideradas manifestações de orgulho hetero, podem muito bem ser confundidas com homofobia. Todos os dias, alguém me diz que é muito tolerante em relação a gays, mas “desde que não me incomodem”; “desde que não se façam a mim”; “faz-me impressão, mete-me nojo”, já para não falar das pessoas que são aberta e honestamente contra a homossexualidade Afirmo, com toda a honestidade, que estão no seu direito de ser homofóbicos, ninguém se impõe a ninguém e muito menos tem o direito de impor a sua opinião aos outros. Mas uma campanha publicitária é, na minha opinião, uma questão diferente. Não só promove a homofobia, com a promove a uma população alargada. Além disso, põe claramente de parte uma “não tão pequena” parte da população portuguesa quando afirma orgulhosamente que não aceita homossexuais ou bissexuais na dita comunidade online, tornando-a uma campanha em claro desrespeito pela constituição Portuguesa e os mais básicos direitos humanos de defesa da igualdade.

A marca arrisca-se, assim, a: ser alvo de um processo civil ou criminal por descriminação; ser alvo de publicidade negativa por parte de organizações de defesas dos direitos LGBT; ser boicotada pela comunidade gay e pelos seus simpatizantes. Mas esta última não deve importar muito à Tagus, visto que esta já excluiu os gays do seu público-alvo. E além disso, cerveja é coisa de homens, não é para maricas!

Para concluir, deixem-me denunciar também que me foi assegurado directamente por um gerente de cinema, empregado da Lusomundo, que qualquer trabalhador dessa empresa que se assuma como gay será certamente despedido. Ainda assim, como trabalhadora dessa empresa que sou e sabendo que a Lusomundo tem contrato com a Sumolis, o grupo ao qual pertence a Tagus, pretendo o mais rápido possível propor aos meus superiores hierárquicos que tomem alguma atitude, talvez pressionando a Sumolis. De certeza que não surtirá qualquer efeito; corro mesmo o risco de ser despedida.

Entretanto, enviei também uma queixa à GLAAD, uma conceituada associação norte-americana de defesa dos direitos LGBT, a denunciar esta situação.

Veremos o que acontecerá à campanha e à marca. Ainda assim, posso afirmar-vos que, pela opinião das pessoas que conheço, a única razão porque não deixarão de beber Tagus, é porque já não o fazem. Dizem-me os apreciadores que a cerveja é má.


Formulário de Reclamações Para Pessoas Singulares do Icap

3 comentários:

b. disse...

ah.. não conheço sequer uma pessoa que não ficou incomodada com esta campanha da tagus. foi realmente muito idiota. o que eles não percebem é que o conceito de "orgulho hetero" é uma coisa completamente implausível, uma vez que o orgulho gay baseia-se na recusa da carga moral de culpabilidade que é imposta aos gays, quando seria tão fácil simplesmente esconderem sua opção sexual e fingirem ser heteros. o orgulho gay não significa orgulho da orientação sexual, e sim da escolha de vivê-la, mesmo quando isto os torna alvos de discriminação e violência.

para mim, que sou publicitária, considero ainda mais idiota esta idéia toda. eles quiseram fazer uma campanha polêmica para dar notoriedade à marca, mas o fizeram da pior maneira possível. conseguiram fazer com que a marca ficasse conhecida, sim, mas pelos motivos errados. não só a comunidade glbt deixa de comprar a cerveja, como também os simpatizantes que não querem se associar a qualquer tipo de marca que promove a discriminação.

b. disse...

penso que eles perceberam o erro cometido, pois foram tantas as reclamações... e agora tentaram "consertar". em questão de meses todo mundo já esqueceu até, aposto.
bem, adicionei-te aos meus favoritos. beijos. :)

Syle disse...

Estava aqui a ler o teu blog, e nao posso deixar de te dizer que concordo plenamente com a tua atitude e opinião. Apesar de ser hetero, estou completamente contra esta camapnha da Tagus. Mas talvez seja esta a intensao deles mesmo, criar um pouco de polemica para activar a marca... Puro marketing!
O que eu acho uma perfeita estupidez, ha tantas outras maneiras de se chamar a atençao, sem ser preciso (des)valorizar ninguem! well, keep on!! ;) ****